Os Mestres costumam ser apresentados às suas inclinações com extraordinária clareza ainda na infância. Às vezes, elas se manifestam na forma de um simples objeto que desencadeia uma resposta profunda. Quando Albert Einstein (1879-1955) tinha 5 anos, o pai lhe deu uma bússola de presente. Imediatamente o garoto ficou fascinado pela agulha, que mudava de direção à medida que ele movimentava o instrumento. A ideia de que havia algum tipo de força magnética que atuava sobre a agulha, invisível aos olhos, tocou-o no âmago. E se houvesse outras forças no mundo, igualmente invisíveis e poderosas, até então não descobertas ou não compreendidas? Pelo resto da vida, todos os seus interesses e ideias girariam em torno dessa questão de forças e campos ocultos, e não raro ele se lembrava da bússola que desencadeara aquela fascinação inicial.
Quando Marie Curie (1867-1934), que viria a descobrir o elemento químico rádio, tinha 4 anos, entrou no gabinete do pai e deparou-se com um mostruário de vidro com todos os tipos de instrumentos de laboratório para experimentos de química e física. Ela cou paralisada, de olhos todos naqueles objetos admiráveis. E voltaria àquele recinto repetidas vezes para observá-los, imaginando todos os experimentos que poderia realizar com aqueles tubos e dispositivos de medição. Anos mais tarde, quando entrou em um laboratório de verdade pela primeira vez e fez alguns experimentos, ela se reconectou imediatamente com a obsessão da infância. Sabia que havia encontrado sua vocação.
Quando o diretor de cinema Ingmar Bergman (1918-2007) tinha 9 anos, os pais deram a seu irmão, no Natal, um cinematógrafo – um aparelho que projeta imagens em movimento numa tela por meio de uma sequência de fotograficas. Ele precisava da máquina para si e ofereceu ao irmão alguns brinquedos para consegui-la. Assim que a viu sob seu domínio, correu para um grande closet e ficou observando as imagens tremeluzentes projetadas na parede. Parecia que algo adquiria vida, como que por mágica, quando ele a ligava. Produzir essa mágica foi a sua obsessão pelo resto da vida.
Às vezes essa inclinação se torna clara por meio de certa atividade que desperta a sensação de grande poder. Quando criança, Martha Graham (1894-1991) se sentia frustrada pela incapacidade de se fazer compreender de maneira mais profunda; suas palavras lhe pareciam inadequadas. Até que um dia ela assistiu a um espetáculo de dança. A primeira bailarina tinha um estilo todo próprio de expressar emoções pelo movimento; era algo visceral, não verbal. Ela passou a frequentar aulas de dança e logo compreendeu sua vocação. Somente quando dançava ela se sentia viva e expressiva. Anos mais tarde, inventaria uma forma de dança totalmente nova e revolucionaria o gênero.
Outras vezes não é um objeto ou uma atividade, mas algo na cultura que estabelece uma conexão profunda.
O antropólogo e linguista contemporâneo Daniel Everett (nascido em 1951) cresceu numa região rural, na fronteira da Califórnia com o México. Desde a mais tenra idade ele se viu atraído pela cultura mexicana ao seu redor. Tudo nela o fascinava – o som das palavras dos trabalhadores imigrantes, a comida, as maneiras tão diferentes do mundo anglo-saxão. Assim, mergulhou tanto quanto possível na língua e na cultura do país vizinho. Esse sentimento se transformaria em interesse vitalício pelo outro – pela diversidade de culturas no planeta e pelo que isso diz sobre nossa evolução.
E também acontece de as verdadeiras inclinações de alguém serem reveladas no encontro com um Mestre. Na juventude vivida na Carolina do Norte, John Coltrane (1926-1967) se sentia diferente e estranho. Era muito mais sério que os colegas de escola; tinha anseios emocionais e espirituais que não conseguia verbalizar. Dedicava-se à música mais como passatempo – aprendeu saxofone e tocava na banda da escola. Então, poucos anos depois, assistiu a uma apresentação de Charlie “Bird” Parker, grande saxofonista de jazz, e os sons que ouviu lhe produziram profunda impressão. A interpretação de Parker manifestava algo original e pessoal, uma voz das profundezas do ser. Coltrane de repente descobriu como expressar sua singularidade e dar voz a seus anseios espirituais. Passou a praticar o instrumento com tamanha intensidade que, em uma década, se tornou, talvez, o maior artista de jazz de sua época.
É preciso compreender o seguinte: para dominar uma área, para ser Mestre nela, é indispensável amá-la e sentir uma profunda conexão com ela. Seu interesse deve transcender a área em si e atingir as raias da religião. Para Einstein, não era a física, mas o fascínio pelas forças invisíveis que governam o Universo; para Bergman, não era o cinema, mas a sensação de criar e dar vida; para Coltrane, não era a música, mas o poder de dar voz a emoções poderosas. Essas atrações da infância são difíceis de expressar em palavras e são mais como sensações – o deslumbramento, o prazer dos sentidos, o sentimento de poder e a exacerbação da consciência. É importante reconhecer essas inclinações pré-verbais porque são indícios claros de uma atração não contaminada pelos desejos de outras pessoas. Não são algo que seus pais lhe convenceram a fazer, nem que decorre de uma associação mais supercial, alguma coisa mais verbal e consciente. Em vez disso, emergem de um lugar mais fundo, são exclusivamente suas, produtos de sua química sem igual.
À medida que você se torna mais sosticado, não raro perde contato com esses sinais de seu núcleo primordial, que podem ser soterrados por todos os seus estudos e leituras subsequentes. Seu poder e seu futuro dependem da reconexão com esse âmago e do consequente retorno às origens. É preciso escavar em busca dessas inclinações dos primeiros anos. Procure seus vestígios nas reações viscerais a algo simples; um desejo de repetir uma atividade de que você nunca se cansava; alguma coisa que lhe suscitou uma curiosidade inusitada; sentimentos de poder associados a determinadas ações. O que quer que seja, já está dentro de você. Não é necessário criar nada; basta escavar e reencontrar o que estava enterrado lá, desde o início. Ao se religar com esse núcleo, em qualquer idade, algum elemento dessa atração primitiva renascerá com todo o viço, indicando um caminho que pode acabar sendo a sua Missão de Vida.
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