Quando criança, em Madras, na Índia, no nal da década de 1950, V. S.
Ramachandran sabia que era diferente. Não se interessava por esportes nem pelas outras preferências dos garotos de sua idade; gostava de ler sobre ciências. Em sua solidão, ele costumava vaguear pela praia, e logo cou fascinado pela incrível variedade de conchas que as ondas depositavam na areia. Começou a recolhê-las e estudá-las minuciosamente. Aquilo lhe transmitia um sentimento de poder – era algo só dele; ninguém na escola jamais saberia tanto sobre conchas. Em breve, sentiu-se atraído pelas variedades mais estranhas de moluscos, como a Xenophora, organismo que recolhe conchas descartadas e as usa como camuagem. Sob certo aspecto, ele era como a Xenophora – uma anomalia. Na natureza, essas anomalias servem a um propósito evolucionário mais amplo – podem levar à ocupação de novos nichos ecológicos, oferecendo maiores chances de sobrevivência. Será que Ramachandran podia dizer o mesmo de sua excentricidade?
Com o passar dos anos, ele transferiu seus interesses de garoto para outras áreas – anormalidades anatômicas humanas, fenômenos peculiares em química, e assim por diante. O pai, sentindo que o jovem acabaria em algum campo de pesquisa obscuro, convenceu-o a matricular-se na faculdade de medicina. Lá ele travaria contato com todos os lados da ciência e sairia com uma qualificação prática. Ramachandran cedeu.
Embora os estudos de medicina o interessassem, depois de algum tempo voltou a se sentir inquieto. Ele detestava todo aquele aprendizado convencional. Queria experimentar e descobrir, não memorizar. E começou a ler todos os tipos de periódicos e livros cientícos não incluídos na lista de leitura da faculdade. Um desses livros foi Olho e cérebro, do neurocientista visual Richard Gregory. O que o intrigou principalmente foram os experimentos sobre ilusões de óptica e pontos cegos – anomalias do sistema visual que oferecem algumas explicações sobre o funcionamento do cérebro.
Estimulado pelo livro, ele fez seus próprios experimentos, cujos resultados conseguiu publicar em um prestigioso periódico, o que o levou a ser convidado para estudar neurociência visual no Departamento de Pós-Graduação da Universidade de Cambridge. Empolgado com a oportunidade de alcançar algo mais compatível com seus interesses, Ramachandran aceitou o convite. No entanto, depois de alguns meses em Cambridge, percebeu que não pertencia àquele ambiente. Em seus sonhos de infância, a ciência era uma grande aventura romântica, uma busca quase religiosa pela verdade. Em Cambridge, porém, para os alunos e para os professores, parecia mais um emprego burocrático; você cumpria a jornada de trabalho, contribuía com alguma análise estatística e nada mais.
No entanto, ele persistiu, descobriu seus próprios interesses e se pós-graduou. Poucos anos depois, foi contratado como professor assistente de psicologia visual da Universidade da Califórnia, em San Diego. Como acontecera tantas vezes antes, decorrido algum tempo sua mente passou a derivar para outro tema – dessa vez para o estudo do cérebro em si. Ele ficou intrigado com o fenômeno de membros fantasmas – que ocorre em pessoas que sofreram amputação de braço ou perna mas ainda sentem uma dor lancinante no membro amputado. E prosseguiu com a realização de experimentos sobre essas manifestações, que levaram a descobertas importantes sobre o cérebro em si, assim como sobre uma nova maneira de aliviar o sofrimento desses pacientes.
De repente, o sentimento de não pertencimento, de inquietação, desaparecera. O estudo de transtornos neurológicos anômalos seria o campo a que se dedicaria pelo resto da vida. A nova disciplina suscitava questões que o fascinavam sobre a evolução da consciência, sobre a origem da linguagem e outras. Era como se tivesse completado o círculo, retornando aos tempos em que colecionava as formas mais raras de conchas. Era um nicho só dele, algo que poderia dominar durante anos, que correspondia às suas inclinações mais profundas e em que serviria melhor à causa do avanço científico.
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