Em 1760, aos 4 anos, Wolfgang Amadeus Mozart começou a aprender piano com o pai. Foi a criança que pediu para iniciar o aprendizado tão cedo. A irmã, com 7 anos, já tocava piano. Talvez tenha sido em parte por causa dessa rivalidade fraternal que ele tomou a iniciativa, vendo a atenção e o amor que a irmã recebia por causa de sua destreza com o instrumento.
Depois de poucos meses de prática, o pai, Leopold – pianista, compositor e professor talentoso – percebeu que Wolfgang era excepcional. O mais estranho era que, apesar da sua idade, o garoto adorava praticar; à noite, os pais tinham que arrancá-lo do piano. Aos 5 anos, já compunha suas próprias peças. Em pouco tempo, Leopold levava o prodígio e a irmã estrada afora, para se apresentarem em todas as capitais da Europa. Wolfgang surpreendia as audiências reais às quais se apresentava. Ele tocava com segurança e improvisava todos os tipos de melodias brilhantes. Era como um brinquedo precioso. O pai agora obtinha uma boa renda para a família, à medida que mais cortes europeias queriam ver o gênio em ação.
Como patriarca, Leopold exigia total obediência dos filhos, embora, agora, fosse o jovem Wolfgang quem basicamente sustentava todos eles. Wolfgang se submetia de bom grado – ele devia tudo ao pai. Mas, ao entrar na adolescência, algo o inquietou. Ele gostava de tocar piano ou simplesmente de ter toda a atenção para si? A dúvida o confundia. Depois de tantos anos compondo, agora começava a desenvolver o próprio estilo; no entanto, o pai insistia em que ele continuasse produzindo as peças mais convencionais, que tanto agradavam às cortes e traziam dinheiro para a família. A cidade de Salzburgo, onde moravam, era provinciana e burguesa. Mas ele ansiava por algo mais, por ser ele mesmo. Com o passar do tempo, Wolfgang sentia-se cada vez mais frustrado.
Em 1777, o pai permitiu que Wolfgang – agora com 21 anos – partisse para Paris, acompanhado da mãe. Lá, ele deveria conquistar uma posição de destaque como regente, para que continuasse a sustentar a família. Mas Wolfgang não gostou de Paris. Os trabalhos que lhe ofereciam estavam aquém de seus talentos. Além disso, a mãe caiu doente enquanto estavam lá e morreu na volta para casa. A viagem foi um desastre sob todos os aspectos. Wolfgang voltou para Salzburgo sentindo-se culpado e disposto a se submeter à vontade do pai. Aceitou um emprego pouco interessante como organista da corte, mas não conseguia abafar por completo seu desconforto. Desesperava-se por desperdiçar a vida naquela função medíocre, compondo músicas para agradar provincianos tacanhos.
A certa altura, escreveu ao pai: “Sou compositor (...) Não posso nem devo enterrar o talento com que Deus, na sua bondade, me presenteou.”
Leopold reagia com raiva a essas queixas cada vez mais frequentes do filho, lembrando-lhe de sua dívida de gratidão por todo o treinamento que recebera e por todas as despesas que gerara em suas viagens sem m. Até que, num lampejo, ocorreu a Wolfgang que o piano não era realmente sua paixão, nem mesmo a música em si. Na verdade, ele não gostava de se apresentar diante de outras pessoas, feito uma marionete. Seu destino era compor; e mais do que isso, ele tinha um amor intenso pelo teatro. Queria produzir óperas – essa era sua verdadeira voz. Jamais realizaria esse sonho se continuasse em Salzburgo. O pai era mais que um obstáculo; estava arruinando sua vida, sua saúde, sua conança. Não se tratava apenas de dinheiro; o pai, na verdade, tinha inveja do talento do lho e, de maneira consciente ou não, tentava sabotar seu progresso. Wolfgang tinha que fazer algo, por mais doloroso que parecesse, antes que fosse tarde demais.
Numa viagem a Viena, em 1781, Wolfgang tomou a decisão de car. Nunca voltaria a Salzburgo. O pai nunca o perdoou pela ousadia. O lho abandonara a família. O conito entre eles jamais seria resolvido. Sentindo que havia perdido muito tempo submisso ao pai, Wolfgang compôs em ritmo frenético, suas mais famosas óperas e composições transbordando de seu íntimo, como se estivesse possesso.
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