Já na mais tenra infância, Buckminster Fuller (1895-1983) tinha consciência de que sentia o mundo de modo diferente. Como nascera com alta miopia e tudo ao seu redor parecia desfocado, seus outros sentidos se desenvolveram para compensar essa carência – em especial o tato e o olfato. Mesmo depois de passar a usar óculos, aos 5 anos, ele continuou a perceber o mundo à sua volta não apenas com os olhos; desenvolveu uma forma de inteligência tátil.
Fuller foi uma criança muito engenhosa. Um dia, inventou um novo tipo de remo para impeli-lo através dos lagos, no Maine, onde passava o verão entregando cartas. O desenho dos remos se inspirava na forma das águas-vivas, que ele observara e estudara. Conseguia visualizar a dinâmica do movimento delas com mais do que os olhos: ele a sentia. E reproduziu-a em sua invenção, que funcionou maravilhosamente bem. Durante esses verões, ele sonhava com outras invenções interessantes – e esse seria o trabalho de sua vida, seu destino.
No entanto, ser diferente tinha seu lado doloroso. Ele não tinha paciência com os métodos comuns de educação. Embora fosse brilhante e tivesse sido aceito na Universidade de Harvard, não conseguia se adaptar ao estilo rígido de aprendizado. Faltava às aulas, bebia e se tornara um tanto boêmio. Até ser expulso de Harvard duas vezes – na segunda vez, para sempre.
Depois disso, não conseguia parar em emprego nenhum. Trabalhou numa fábrica de processamento de carnes e, durante a Primeira Guerra Mundial, conseguiu boa posição na Marinha. Tinha incrível sensibilidade para entender o funcionamento das máquinas. Mas era inconstante e não conseguia car muito tempo no mesmo lugar. Após a guerra, quando já tinha mulher e lho para sustentar, desesperado por jamais ter sido capaz de cuidar bem da família, resolveu assumir uma função bem-remunerada como gerente de vendas. Trabalhou duro, saiu-se bem, mas, depois de três meses, a empresa faliu. Ele achara o trabalho extremamente insatisfatório, mas parecia que aquilo era o máximo que podia esperar da vida.
Até que, nalmente, de onde menos esperava, surgiu uma oportunidade. O sogro inventara um modo de produzir materiais para a construção de casas que as tornaria mais duráveis e mais bem isoladas, a um custo muito mais baixo, mas não conseguia encontrar investidores para ajudá-lo a abrir uma empresa. Fuller achou a ideia brilhante. Sempre se interessara por construção e arquitetura e se dispôs a assumir a implementação da nova tecnologia. Dedicou-se tanto quanto possível à iniciativa e até conseguiu melhorar os materiais a serem usados. O sogro de Fuller o apoiou e, juntos, constituíram a Stockade Building System. O dinheiro dos investidores, principalmente membros da família, lhes permitiu abrir fábricas. A empresa enfrentou diculdades – a tecnologia era nova e radical demais, e Fuller era muito purista para comprometer o desejo de revolucionar a indústria de construção civil. Depois de cinco anos, a empresa foi vendida e Fuller foi demitido da presidência.
Agora a situação parecia mais sombria que nunca. A família vivera bem em Chicago com o salário dele, gastando além do que podia. Naqueles cinco anos, ele não conseguira poupar nada. O inverno se aproximava e as perspectivas de trabalho eram muito limitadas – sua reputação estava em frangalhos. Uma noite, ao caminhar pelas margens do lago Michigan, reconstituiu sua vida até aquele momento. Decepcionara a esposa e perdera o dinheiro do sogro e dos amigos que investiram na empresa. Era incompetente nos negócios e não passava de um fardo para todos. Por m, concluiu que o suicídio era a melhor opção. Ele se afogaria no lago. Tinha um bom seguro de vida e a família da esposa cuidaria melhor dela do que ele fora capaz. Ao avançar em direção à água, preparou-se mentalmente para a morte.
De repente, algo se interpôs em seu caminho – o que ele mais tarde descreveria como uma voz que conversou com ele. Ela dizia: “De agora em diante, nunca espere aprovação para as suas ideias. O que pensa é verdadeiro. Você não tem o direito de se matar. Não pertence a si mesmo. É parte do Universo. Seu signicado sempre lhe será obscuro, mas você estará exercendo sua função caso se dedique a converter suas experiências em realidade, para o mais alto proveito dos outros.” Como nunca ouvira vozes antes, Fuller aceitou-a como algo real. Espantado com essas palavras, mudou de rumo e voltou para casa.
No percurso, começou a ponderar sobre as palavras e a reavaliar sua vida, agora sob nova luz. Talvez não tivesse errado tanto como julgara. Ele tentara se encaixar em um mundo (dos negócios) a que não pertencia. A voz estava tentando lhe dar esse recado e ele precisava ouvir. A experiência da Stockade não fora um desperdício completo – ele tinha aprendido algumas lições inestimáveis sobre a natureza humana. Não deveria se arrepender. A verdade era que ele era diferente. Em sua cabeça, imaginava todos os tipos de invenção – novos tipos de carros, de casas e de construções – que reetiam suas habilidades perceptivas inusitadas. Ao olhar para as sucessivas leiras de prédios de apartamentos em seu retorno para casa, ocorreu-lhe que as pessoas sofriam mais com a mesmice, com a incapacidade de imaginar coisas diferentes, do que com o inconformismo.
Ele jurou que, a partir daquele momento, não ouviria nada a não ser a própria experiência, a própria voz. Criaria uma forma alternativa de fazer as coisas, capaz de abrir os olhos das pessoas para novas possibilidades. E, assim, acabaria ganhando dinheiro. Sempre que pensava primeiro no dinheiro o desfecho era desastroso. Ele cuidaria da família, mas teriam que viver com simplicidade durante algum tempo.
Ao longo dos anos, Fuller cumpriu a promessa. A realização de suas ideias peculiares levaria ao projeto de formas de transporte e de abrigo pouco dispendiosas e com baixo consumo de energia (o carro Dymaxion e a casa Dymaxion) e à invenção da cúpula geodésica – estrutura arquitetônica totalmente nova. Fama e dinheiro foram simples consequências.
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